terça-feira, 27 de dezembro de 2016

ANSEIO

Anseio pela pátria
Onde o pecado desce limpo
E o ódio sobe alado

Sou mundano mesmo
E aos poucos vou moldado
Seguindo o ritmo do tempo
Às vezes altamente amado

Muitas vezes morto
Tristemente só
Alheio a pensamentos
Afogo-me de sol

Vejo a quem não quero
Mato a unhas esse teu olhar
Enterro-te a meia luz
Dentro de mim, o teu lugar.

Padeço nas horas vagas
Poetizo a poeira do sofá
Que cheira teu suor saudoso
Que tantas vezes nos viu no mar

Beijo tua boca mansa
Peço que volte para me visitar
Qualquer toque já percebo
A ingratidão do teu amar.

Pois então vá
Não preciso muito de ti
Tenho todas as meninas
Pra me divertir

O dia nasce torno
Branco, horroroso
É o primeiro dia sem você
Que venham muitos outros

O dia nasce frio
Lindo, sadio
É o segundo dia sem você
Mortalmente infantil

O dia já pra mim não nasce
Põe-se a luz e logo apaga
Lucidez noturna, maldita
Vejo tudo entre as tabuas

Quero agora distancia dos teus meigos
amores
Dos teus lindos adjetivos pueris
Todavia tenho certeza que por mais que meu
corpo enoje-te
Minha alma anseia por ti.

D’ANGELO


Comemoração Histórica

ACASO MORTAL


Hoje pela manhã andava eu despercebida pelas ruas da cidade quando me peguei consciente. Vi que cruzava a esquina de um velório local aqui da cidade de Batatais, interior do estado de São Paulo. Muitas pessoas, aquele clima fúnebre característico e de desnecessária explicação. Todavia a alegria de um cidadão que vinha subindo a rua contrastava com todo esse cenário triste, (porém natural, assim como os elementos seguintes), com um sorriso alegre, um homem de meia idade, cabelos curtos, enxada nas costas, passos largos, dizia a si mesmo em tom comemorativo, ao perceber que hoje se velava alguém: “Que bom que hoje alguém morreu. Tem que morrer mais
gente, é bom que morra! Assim eu posso entrar e hoje terei café da manhã, algo pra comer.”
Não vi eu desumanidade alguma no que escutei. Todos o olharam como se fosse um ser humano insensível, mas eu verdadeiramente compreendi, ou é possível pensar que compreendi o sentido real, ou que considero ser real, daquela situação. Todos ali estavam para relembrar a morte de alguém querido, mas na realidade ali se venera uma imagem social em extinção. Os bons momentos (e os não bons) ficarão na memória, e em fotografias recortadas. Poderia se dizer: “Ora, mas é a ultima despedida”. Não, não é. Não para ele, ao menos. O defunto já se foi. Enquanto ele estava vivo, fez você juz as lágrimas que derramou por ele/ela? Deu tantas flores a ele/ela antes de morto quanto deu depois de inexistente? Cada qual tem sua crença, mas independente de ter que fazer um bom enterro
ou não, acreditar ou não em reencarnação, espíritos ou vida pós morte, há uma coisa que nos liga, que liga todos nós: A humanidade.
Se olhássemos para o senhor faminto com o mesmo afinco que observamos um ser inerte
dentro de uma caixa de madeira, certamente o daríamos algo para comer, para que ele conservasse o único e maior, diria incalculável bem que todo ser que respira tem o dom de reter dentro de si: a vida. Suscito aqui não uma mudança nos métodos de se velar ou enterrar alguém, mas sim uma mudança na visão das pessoas vivas, enxergar a humanidade além das próprias pupilas, e parar de personificar os arrependimentos e saudades como se eles fizessem ressuscitar seu ente querido. Lembrem-se, claro, das pessoas que lhe fizeram bem. Mas não espere ela falecer para começar esse processo. Aproveitem uns aos outros vivos. Amem-se, liguem, peçam perdão. Digam verdades, minta se achar necessário, mas fundam-se com quem se vive,viva as experiências, todas, de sentidos aguçados, dê e receba tudo aquilo que puder. Somos construções sociais. Quanto mais tijolos, maior a casa. De
resto, olhe pro lado e enxergue o que se passa. Por fim, chego eu a mesma conclusão que o saudoso Noel Rosa: “Quando eu morrer não quero flores, nem coroa com espinhos, só quero choro de flauta com violão e cavaquinho"

 
A Morte e a Vida,Gustav Klimt - 1908–1916 -