domingo, 10 de junho de 2018

AVISO

Nova fase no blog. Não excluirei os textos antigos, pois tenho pena deles. Que sirva como meu aprendizado e como possível quadro de observação e comparação. Obrigada aos que fielmente me acompanham, agradeço e aviso: Estamos em reforma para melhor funcionamento. Logo mais um novo estilo, uma nova prosa, um novo jeito. Se será melhor ou pior, sabe-se lá. Será diferente e isso me basta. Conto com os seus feedback como conto com meu pulmão para respirar. <3 <3 <3 

sexta-feira, 4 de maio de 2018

"Z"

quero ver além dos panfletos e dessas letras todas
das margens, bordas, beiradas
estigmas, dogmas, calçadas
da humilde altura e modesto peso
apenasmente sendo somente
e semeando sementes sem medo

o vago raso do porto
metódico e sistemático perfeito
devir summum malum  alheio
faz jus a  sua contradição

a capa da revista não se faz importante
nem o beijo quente de dois rapazes amantes
antes fosse
o brilho da enxada velha
a quebra da taça bordeux
mostrar a navalha oculta 
samba bossa, peripécia xangô
e calar a voz que dita pros corpos
posturas, jeitos, roupas e modos

Dando assim um fim
por fim
enfim
um 'Z'
a esse insustentável abecê.


D'Angelo

sábado, 10 de fevereiro de 2018

TETO

sem teto
eu?
o meu teto de tão humano às vezes chora
umedecendo sempre
minha única troca de roupa
e já que é janeiro
molha junto a troca das horas

da folha verde pra mente inconstante
da mente inconstante pro corpo inerte
do corpo inerte pro leito da terra
do leito da terra ao teto limite
tal teto centelha
e ilumina a alheia
visão distante de infinito

o luxo ou o conforto do divã
subentende-se que desdenho
quando o troco pela liberdade
e não pelo desempenho

também não há pedra
fenda, fissura ou emenda
que quebre, destrua ou detenha
a onisciência desse céu ametista
perolado preto
pero âmbar sambista
tudo está no bolso
sei de tanta coisa
mas não penso em nada mais.

além de ser companhia
aliado da virtude
meu teto é minha casa
é meu chão
meu respirar
minha psicanalista
rivotril
bicicleta
peixe

meu teto é meu limite
meu teto 

é
meu
lar.
 






Rob Gonsalves

PRESENÇA

Sinto no peito nevoado o tec tec da tesoura
a ressonância do martelo
o tiro certeiro expelido além do arco
a garoa fina e taciturna da serra minha
mineirou o tempo
mudou corpos, figurinhas
destampou a tampa do absurdo
Sinto o calor ofegante - esse desde hálitos até coisas mais e menos decentes, como apagar vela com os dedos,  ou amar intensamente - então, como deixaria eu? 
eu, pois
como deixaria escapar aos teus sinais?
me veio uma brisa cor de rosa
e uma vontade estranha de voar
era finalmente a prova das provas mais vívidas que eu precisava pra em nada mais acreditar 

por hora nada afirmo, claro
apenas atiro
pegue em quem pegar
porém se sinto até alma no poço
como ignorar sua nítida presença pelo ar?

D'Angelo

Obs: Via Blogger mobile.


sábado, 13 de janeiro de 2018

Boatos&Abstidos - PAULO e o BILHETE DE AMOR



"dizem que o problema é o passado,
que é o passado que assola paulo
digo 'calma, paulo, meu bom

tudo que é certo encaixa
errado cai pro chão'

pro diabo que carregue esse pensar adolescente 
vou transformar meu passado num decote atrevido
numa cicatriz cubista permanente
preste atenção
maldita como sou
vou entrar pela porta 
e vai querer que danem-se os passados 
as geleiras e o dióxido de carbono
a pressão e o ócio,
paulo
vou fazer-te meu manso dócil
e veja
nem sequer um homem
pois é sei lá o que 
seja lá o que for
és tu 
e com tudo ajeitado
uma nova era
ubuntu
pra eu e tu, 
paulo ou não
termos futuramente
indubtávelmente 
um passado pra admirar
e um espaço nesse grande céu azul."

D'Angelo
(conheça mais sobre a moça q escreve essas parada)








domingo, 31 de dezembro de 2017

BOATOS&ABSTIDOS – FLORA e o FUTURO

⇢  Flora cresceu em meio a poliglotas, circulando entre mestres do êxito acadêmico,
influentes, anuentes, viciados, extravagantes, conscientes
misturada a artistas natos, esbarrando em políticos altiloquentes
Sabia de cor, porque lhe disseram, o percurso do rio e seus afluentes
contaram-lhe as glórias magníficas dos grandes impérios sólidos
as descrenças do mundo e também de sua particularidade cíclica de vida e morte 
Explanavam como memorizar, repetir, contar, medir,
e trezentos anos antes de legislar os processos nervosos, 
encapsularam a psykhé, processaram  mecanicamente o sentir
O que dizer e quando falar permitido por coleira,
efervescência lirista mas também a cólera do que era vívido dez anos atrás,
suscitava-se então uma perspectiva insana, l’acte cruel, the cruel act

Flora, a menina que luta e que tem nome
que aliás é Flora
lindo nome  

tem nome e lutará 
contra a maldição do século
o male de sua época

o generalizar. ⬸



  ↳ D’ANGELO ↲
     
[CONHEÇA MAIS]


M



domingo, 17 de dezembro de 2017

TESEPARAESTAMPAROVERSODALISTATELEFÔNICA2018.doc


            Setenta e oito anos após a segunda grande guerra, vinte anos de “Sobrevivendo ao inferno”, quinto álbum dos Racionais, cento e dezessete anos após o nascimento de Louis Armstrong e sessenta e sete anos após o invento ilustre que é a televisão, resolvo eu, amadora cínica, falar de amor. Parece vago, sinistro e dispensável, e se realmente já pensa meu texto enquanto mais um poema romântico mórbido tal qual Augusto dos Anjos, o que não seria tão tedioso a alguns, desengane-se, ele é de bem menor valor.
            De repente, no auge da madruga, em um quinto de segundo meu cérebro de pronto ativa doze regiões diferentes e libera substâncias como dopamina, adrenalina e ocitocina. 
Se amor é desejo, sinto amor por muita gente. Se amor é dor, sinto-o até em demasia. Se o amor é sentir falta, o sinto verdadeiramente por uma pessoa só. Duvido essencialmente que seja um sentimento explicado satisfatoriamente por meio de verbos, adjetivos e conjunções. Duvido até que Deus possa explicar sua própria criação. E se Deus, que é onisciente, é um dos poucos leitores certos dessas linhas, o questiono nesse instante: O que é essa turbulência que me invade e rebaixa minhas fundamentalidades até somente me restar como essencial a presença que ela deixa, sem culpa, ou por culpa minha, faltar?  E agora? Diga-me de que valem as letras, a história, a dialética, a retórica, os bons costumes e a indiferença, o anarquismo, o movimento de translação, o avanço da tecnologia, chá preto, goró, cannabis sativa, indica ou ruderalis, a cabine telefônica, o parto normal, os refugiados sírios e o governo federal, a universal ou a promiscuidade múltipla residente permanente na calada dum canavial? De que me é útil a revolução industrial, a revolução dos bichos ou a evolução da espécie? De que me vale um lápis apontado se a inspiração caminha com ela, em seus braços, e de que adianta a comicidade velha da barba por fazer nos poros do busto forte de uma mulher barbada, se já não vejo graça, se ela me levou a lógica, me tirou a métrica, me arrancou as molas, e deixou somente esse divagar melancólico que agora vos apresento com total insensatez, descaradamente desiludido na flor dum tempo renascente, que logo trará um ano novo, e com ele outros feitos e aniversários histórico-pragmáticos incríveis e decadentes.
            No ano de eleger o novo e ético, (São meus votos compartilhados), presidente da república, que será Lula, se não o assassinarem antes, (Desculpem-me a franqueza rápida), juntamente também da celebração intensa que é o aniversário de vinte anos da famigerada e inexistente consciência cristã, (Que apenas por um ano não pode se candidatar a prefeito ou a juiz de paz), desejo que me falte ar nas traqueias, que me falte água para regar as plantas, que falte teoria, (mas não práxis), que me falte roupa, modos e assunto, entretanto, como apenas se aprofunda e aumenta gradativa e pontualmente no prazo de doze meses a água das geleiras e o buraco na maldita camada de ozônio, e como envelhecem as moças e prosas, e como morrem os deuses e os astronautas, que não caia sobre mim essa maldição, e que eu não passe outro coágulo de tempo sem olhar no fundo dessas tuas esferas negras e dizer o quanto foi bom te amar de longe, porém que comparado a te amar de perto é apenas estória, falsete, comentar também o quanto foi ruim, no ano passado, celebrar o amor ao tempo, simplesmente festejar o jubileu de carvalho ostentado pela guerra completamente desacompanhada, e escrever a porra de uma tese inteira sobre não estar amando horrores ao seu lado.


Quem sabe ano que vem passa. 





Telephones (anticipation) -NIYAZ NAJAFOV





segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

SAL GROSSO

ASSUNTOS – 11/12/2017 – SAL
          
  -Crio com magnificência meu demônio particular, alimentando-o calmamente com tragos e goles diários. Em troca, a malícia que nele consta me sobe à boca nas horas mais oportunas, toma meu corpo e o mexe como quer, aluga-se de minha mente pra travar estratégias malignas e empíricas, e nas sextas à noite me acompanha até o cerne de qualquer prostíbulo do interior. Em suas veias bombeia com graça o sangue do meu útero metafísico, (Aquele que eu não tenho, por desgraça do destino), e em vez de lágrimas, descama os olhos sempre que se entristece, e deles escorre o véu carmesim de minha menarca finalmente concebida pelo Deus que mais me toca.
-Se ele não acertou, me responsabilizo eu por consertar a merda do senhor.  – Disse o médico cético.
- Tua ciência é tão esquizofrênica quanto um supremo que peca propositalmente. – Disse o esquisito do paciente – Sou assim e assim o sou, infelizmente. Mas se quiser tentar fazer sua medicina ajudar, queria uma lavagem completa, pra expulsar alguns intrusos que perambulam pela minh’alma insensata...
- Para esse procedimento recomendo algo mais intenso...
- Intenso?
- É a ultima carta na manga.
- Qual!
-Te digo, ora.
-E seria?
- Sal grosso.
- Li ontem que Iodo também barra conversão ideológica e cura hipocrisia.
- Só expulsar demônio que é novidade?
- Relaxa, doutor. Tá quase na hora de entrar no mar.

D’ANGELO








segunda-feira, 13 de novembro de 2017

DESPERDÍCIO

Queria fugir desses lábios rasos que me cercam, queria fumar essa angústia toda e ver subir pro cérebro.
Queria ser boa artista, queria ter paz na beira da gamboa, me preocupar sempre com o clima, as escolas e as pessoas.
Queria uma face grátis pra esmagar, contundir, depravar, um corpo só meu pra incidir, colidir, magoar, estender os membros todos pra crescer um pouco mais.
Queria outra língua pra espremer, maldizer, procriar. Outra mente pra foder de quartas e domingos, fazer Yoga, ter uma folga semanal.
Queria ser a negra linda do cinema, a branca bela da embalagem. Queria ser qualquer que fosse, mas que algo inda fosse, menos eu, menos banal.
Sendo eu assim desse modo só sei ser eu mesma
E estar onde quero estar
Se eu pudesse era todo mundo
Faria de tudo pra ser muito
Parar de desperdício
E querer cada vez mais.

D'ANGELO




domingo, 12 de novembro de 2017

ORAÇÃO

Camaleão da noite
que mergulha entre ratos e pombos amargos
e de vez em quando aparece
tenso,  trajado à rigor e ultrapassado

O sol almeja teu amarelo estrela
mas apenas uma certeza há de carregar:
Teu cinza bate
com o cinza da lua

Noturno, soturno, meu animal
vou prestar-me ao teu serviço
e fazer de toda esfera
uma bola de cristal

Faz-me de toda forma
cria-me, decora-me
Muda minha cor e traços
trace com minha tinta os teus retratos

Existo e nisso eu prefiro acreditar
O resto é casca. 

D'ANGELO 🔻










segunda-feira, 16 de outubro de 2017

GINA, A AMANTE DE TODAS AS COISAS

Gina vivia encarando a embalagem de palitos de dente e não se reconhecia na moça caucasiana de sorriso largo e cítrico da foto. Considerava-se bem menos sem sal. Dizia essas e várias outras coisas entre doses de água ardente e queijos coalhos, gritava ao mundo que basta, já havia prolongado muito sua sabotagem a própria pedra que ela rolava com tanto suor de seu corpo e esmero de sua mente, como Sísifo, que, por sua vez, ela achava otário. Só havia um pequeno problema... Sua pedra tinha nome, endereço e sangue nas veias. Chamava-se Elis e estava repousando sua boca trêmula em um copo de vidro temperado do tipo americano repleto de cerveja em qualquer lugar ao norte dali, com sua calma habitual, todavia bem como a cocaína que Gina tinha mandado pra cabeça em cima da Bíblia com o canudo azul que tomou sua Fanta laranja ciquenta e dois minutos atrás, Elis era demasiado vívida pra essa calma ser o resumo misto de sua existência e porte em cima dessa terra de meu Deus.   Ali, naquele minúsculo cubículo, drogada e bêbada, encarando sua xará de madeixas claras e rosto simetricamente capitalista, mordendo um palito de araucária, desandou em soluços e viu-se numa situação nunca antes pensada. No fundo estalava o grave torácico, viciante e nasal de Zé Ramalho, quando instintivamente a menina colocou as mãos nos bolsos procurando qualquer coisa que lembrasse sua sólida e diária sensação de amar o ar. Era isso. Amar Elis era como amar o ar. Não se vê, não se toca, mas entra pelos pulmões e da o ar da sua graça na onipresença de todas as coisas. Era como amar a própria Gina estampada na caixa de papelão, com aquele místico semblante aristocrático.  
Os apáticos olhos fixos e assaz claros da imagem, quase como uma santa, já narravam a verdade oculta, que a cada passo mais e mais se estabelecia. A garota encontrou em seus bolsos trinta e seis centavos, uma bala de iorgute, uma ponta e quatro chaves. Passou a mão sobre suas pernas, colar, brincos, nada. Nada lembrava Elis. Precisava de algo pra concentrar suas idéias, queria atirar fosse o que fosse pela janela, no intuito psicológico de começar uma nova era, uma nova história. Foi então até o banheiro, lavou o rosto, encarou-se no espelho. Devia jogar sua pedra pelo barranco?  
O queijo não havia lhe caído bem, se sentia quente ao mesmo tempo em que lhe corria um frio na barriga inexplicável, como quando entramos num tobogã, num ônibus sem rumo, ou todas essas armadilhas deliciosas de se cair.
Decidiu então ver aonde ia dar. Se não desse em nada, não seria menos impactante que sua vida toda somada.
Entretanto se florescesse e o acaso prosperasse, nunca haverá de existir alguém tão feliz, nem Sisífo e nem Drummond, com uma pedra no meio do caminho, como Gina, a amante de todas as coisas.
Sorriu pro espelho e respirou o mais fundo que pode. Sentiu sua força da natureza encontrar a dela, num beijo tenso, doce.
Saiu e mandou marcar na conta, furtando consigo a caixa de palitos.
A idéia de ter um par de olhos na estante até a vivacidade bater a porta, se bater, era agradável, trazia paz. E paz era tudo, além de Elis, que Gina desejava profundamente naquela noite.  

D'ANGELO




quarta-feira, 21 de junho de 2017

NUA

Nua, embaixo das cobertas, Luana suplica por amor. Mais um dia inteiro se passa e a noite fria arrefece, desprovida de roupas roça consigo mesma suas partes, na esperança de lançar um ferormônio que pudesse atrair carinho donde fosse, como um animal. Animal que era e que se reconhecia, pegava-se no cântico solista dos desejos. Olhava-se no espelho e desejava-se. Mas sabia que seduzir é uma arte além das análises visuais. Seduzia-se. Porém nessa altura só queria saber mesmo era de uma boa companhia. Olhando em volta, pensava:
-Droga. Eu poderia estar aproveitando o momento.
Frustrada até o pescoço, puxa as cobertas e se cobre toda.
Logo dorme terno sono.

Se Luana não vive o momento, perde o momento e perde Luana.
Se Luana não aproveita o momento,
O momento não aproveita Luana.

D'ANGELO

segunda-feira, 12 de junho de 2017

SUMIÇO

Bem sabes que toda teoria é falha
Tua retórica podia ser fria
Se tua presença preenchesse os vácuos
Que subsistem na ponta da sua língua

Mas não
Preferes o silencio e o sumiço
A cafuzo que se narciso
Se escolher amar-te da cabeça aos pés. 

Dane-sem as centenas de poemas
Que voem as borboletas do estomago
Quem nasceu pra ser eu mesma
Tá longe de Saramago, Bandeira
Mas perto do amor amargo
Que esse sim conheço bem
Pra fazer poema.

Pra falar da dor
Não precisa de etiqueta
Só do teu endereço
E de tinta na caneta.

Por fim pensei em cair no teu esquema e sumir também
Mas minha falta nunca será igual a tua
A tua é frequente e inconsequente
A minha, quando acontece, é eterna enquanto dura. 

D'ANGELO


Böcklin, Self-Portrait with Death Playing the Fiddle


"The Labyrinth of Crete, Theseus and The Minotaur" "Athenians being Delivered to the Minotaur in the Cretan Laby" by Gustave Moreau.-


segunda-feira, 5 de junho de 2017

HOMEM MENINO

Penso:
A Humanidade é muito nova
E como faz toda criança
Às vezes senta e chora.

D'ANGELO 

Salvador Dali - Un chien andalou (Um cão andaluz)

TUA AUSÊNCIA JÁ ME NOTA

Tua ausência já me nota.
Nas tardes de segunda
Nas notas da vitrola

Não te ouço bem
Não me vês, então
E se me vê, ás vezes
É como chuva de verão:

Não deixa as plantas padecerem
Não as floresce como chuva de trovão. 

Tua ausência já me nota.
Percebo os males da distância
Percebo o eco na maloca

Tipo vela de cheiro 
Se acende com calor
E se esvai no frio,
Nos dedos de quem se cansou
do cheiro
do jeito 
do amor.

Mesmo longe me traga pra perto
Não espere o inverno chegar
Enquanto tua ausência já me nota
Outras ausências também irão notar.

D'ANGELO


Abbas Attar - Collapsing Building , Belfast, 1972



PAINTING BY ANDREW ATROSHENKO - NO NAME


>AS ROSAS NÃO FALAM<

domingo, 4 de junho de 2017

RÉPLICA DIRETA

Passado aflito que cintila no fundo do copo
Não bebida, mas moeda 
Troco de bala
Tiro de sal

O bar vazio 
Vazios animais 
Sou sim andarilho de boca aberta
Pra tragar a vida dos demais

A mim você não toca
Jamais tocou bem e não toca mais
Ao passo que tua roupa amassada vive gasta
A minha costuro com a segunda pele da tua alma sagaz

Os solos de guitarra
Os livros e os beijos 
Guarde tudo na caixa da memória
E sei que guardarás também
No pote dos desejos

De resto, após a brincadeira de Caça e Caçador
Disseste que sou múltipla em mim
Se queres saber está certa
Vários eu's que te puseram  F I M

Extinta, eu sorrio 
Do teu sangue tiro o Dê-Lírio 
Que me satisfez
e faz

Sempre, Sweetie
Sempre viver
Always on the road
Correr atrás de mais. 

D'ANGELO


Fabian Perez "Девушка с бокалом"

Fabián Pérez - Girl with Red Hair 








quarta-feira, 31 de maio de 2017

GADO LIVRE

-Você acha que mudar a posição da cerca pode ajudar?
-Acho que você deve tirar a porteira. 


O dono do gado e o trabalhador discutiam um novo método para  não estressar os bois que iam pro abate em poucas semanas.
-Mas se eu tirar a porteiras eles vão fugir, Renato. Presta atenção e me dê uma solução válida.
-Tire as porteiras, senhor.

O chefe estava já perdendo a paciência com o senhor barbudo a quem ele designava o papel de cuidar dos bovinos.
-Olha, não te pago pra isso. Porque acha que tirar as porteiras irá funcionar?
-Os que quiserem ficar, ficarão. Ficarão no pasto mais verde, água a disposição e sombra, mas terão a morte certa. Logo, se ficarem por opção, é porque gostam daqui, logo, estressados não estão. 

O empresário riu alto.
-Posso perder todos os bois? O que faz você pensar que eles conseguem fazer escolhas? Porque mesmo sem as cercas, escolheriam a morte?
-A maioria sempre escolhe o que parece mais obviamente fácil, senhor. E se quer saber, nós mesmos já selamos nossas mortes.
 -O que quer dizer com isso??  Eu trabalho duro pra ter o que tenho. 
-Cerca ou terno, a prisão continua, seu José.

No fundo uma vaca mugia, enquanto o dono do gado enchia os olhos de lágrimas.

D'ANGELO


Torero Painting - Fight Bull In Black by J- J- Espinoza


>MOTE E GLOSA<

Wine Glass Painting on Canvas - sem autor

quarta-feira, 24 de maio de 2017

FALA!

"MORRER DE CORAÇÃO PARTIDO
PARECE IMPOSSÍVEL...
Afirmava o cartaz num poste pra chamar atenção pra uma peça de teatro. 


-Quero alguém que diz que me ama.Você pode dizer, "ora, mas mais que dizer que se ama, o amor se encontra nas pequenas atitudes, esse sim é um amor passível de ser visto em sua forma verdadeira " 

E com expressões exageradas seu rosto comovia, atrás da maquiagem de palhaço.
-Eu te digo, falácia solidificista! Cada qual tem sua forma de amar, bem como cada qual tem sua necessidade de ver-se amada, pegar-se com sorriso bobo de uma singular forma, e eis que digo que pra mim isso vem da boca, da boca que me beija, da boca que fala e da que come, que me come!

Esbravejava e pulava em cima do palanque montado pra chamar a atenção.
- Diga que me ama, diz no meu ouvido ou grita, grita pro mundo da tua gente, do fundo da tua alma! Grita ou cochicha, mas FALA!

Eis que o palhaço vendeu muitos convites naquele dia. Mas apenas ele sabia, e esperava que a moça houvesse entendido o recado, que tudo isso na verdade, apesar de dito por palhaço, foi de cunho muito sério, pra menina que ele amava na platéia.

...SÓ PRA QUEM AINDA VÊ O AMOR
COMO DOENÇA, DELÍRIO
"
Completava a chamada. 


D'ANGELO



jacqueline hoebers; Painting, “Edith as clown


>NO MORE ROOM IN HELL,BOYS<

<FALA!>
“Grace,” the Minnesota state photograph, taken by Eric Enstrom c.1920 and colorized by Enstrom's daughter, Rhoda Nyberg. Around 1920





domingo, 21 de maio de 2017

OUTORGADA: LEI DO AMOR PRÓPRIO

- Declaro, a partir da expedição desse documento, que é proibida toda forma de amor não reciproco. 

Dito isso, o senador ajeitou a gravata. Tossiu três vezes e voltou a ler. 
- É, além de uma questão de ética e moral, saúde publica. O amor, quando não é bilateral, adoece.

Passou a mão no topete e limpou a testa com um lenço azul bordado com suas iniciais. 
- Também está proibido toda e qualquer forma de contato após uma resposta carregada de indiferença. E, ao ser ignorado, deverá permanecer em igual silêncio e não renunciar com chamadas carinhosas de atenção e retorno, ou terá adição de crime hediondo.

Suava frio, estava tenso. A lei tinha mais que um impacto nacional, o afetava diretamente.
- Esclarecidos os termos, outorgo a presente lei na presente data. 

Na verdade só tinha um peso pessoal. Osmar gostava de pensar seu relacionamento como o estado, parecia de menos complicada estruturação, de menos corrupção dos fundamentos.
Na frente do espelho fazia seu discurso, encarando seus olhos, sua própria vitalidade. 

Era difícil decidir, mas não é tudo que se pode estabelecer a partir de autenticação em cartório. Percebeu então que seu casamento não tinha saída.
Percebeu que o seu país sim, tinha futuro. Largou o terno, pegou sua velha boina vermelha no fundo do guarda roupa. 


Desceu as escadas, juntou-se a multidão
Foi lutar pelo seu amor,
Mas só pelo amor que julgava valer a pena
- Viva a revolução

D'ANGELO


The Yellow Man (in Portuguese: "O Homem Amarelo"), Anita Malfatti, Brazil, 1915-1916




Pintura Mural em Lisboa, Centro de Cultura popular de Alcântara - As Paredes da Revolução, Graffiti, 1978