Setenta e oito anos após a segunda
grande guerra, vinte anos de “Sobrevivendo ao inferno”, quinto álbum dos
Racionais, cento e dezessete anos após o nascimento de Louis Armstrong e
sessenta e sete anos após o invento ilustre que é a televisão, resolvo eu,
amadora cínica, falar de amor. Parece vago, sinistro e dispensável, e se
realmente já pensa meu texto enquanto mais um poema romântico mórbido tal qual
Augusto dos Anjos, o que não seria tão tedioso a alguns, desengane-se, ele é de
bem menor valor.
De
repente, no auge da madruga, em um quinto de
segundo meu cérebro de pronto ativa doze regiões diferentes e libera substâncias
como dopamina, adrenalina e ocitocina. Se
amor é desejo, sinto amor por muita gente. Se amor é dor, sinto-o até em
demasia. Se o amor é sentir falta, o sinto verdadeiramente por uma pessoa só.
Duvido essencialmente que seja um sentimento explicado satisfatoriamente por
meio de verbos, adjetivos e conjunções. Duvido até que Deus possa explicar sua
própria criação. E se Deus, que é onisciente, é um dos poucos leitores certos
dessas linhas, o questiono nesse instante: O que é essa turbulência que me
invade e rebaixa minhas fundamentalidades até somente me restar como essencial
a presença que ela deixa, sem culpa, ou por culpa minha, faltar? E agora? Diga-me de que valem as letras, a
história, a dialética, a retórica, os bons costumes e a indiferença, o anarquismo,
o movimento de translação, o avanço da tecnologia, chá preto, goró, cannabis sativa, indica ou ruderalis, a
cabine telefônica, o parto normal, os refugiados sírios e o governo federal, a
universal ou a promiscuidade múltipla residente permanente na calada dum
canavial? De que me é útil a revolução industrial, a revolução dos bichos ou a
evolução da espécie? De que me vale um lápis apontado se a inspiração caminha
com ela, em seus braços, e de que adianta a comicidade velha da barba por fazer
nos poros do busto forte de uma mulher barbada, se já não vejo graça, se ela me
levou a lógica, me tirou a métrica, me arrancou as molas, e deixou somente esse
divagar melancólico que agora vos apresento com total insensatez,
descaradamente desiludido na flor dum tempo renascente, que logo trará um ano
novo, e com ele outros feitos e aniversários histórico-pragmáticos incríveis e decadentes.
No
ano de eleger o novo e ético, (São meus votos compartilhados), presidente da
república, que será Lula, se não o assassinarem antes, (Desculpem-me a
franqueza rápida), juntamente também da celebração intensa que é o aniversário
de vinte anos da famigerada e inexistente consciência cristã, (Que apenas por
um ano não pode se candidatar a prefeito ou a juiz de paz), desejo que me falte
ar nas traqueias, que me falte água para regar as plantas, que falte teoria,
(mas não práxis), que me falte roupa, modos e assunto, entretanto, como apenas
se aprofunda e aumenta gradativa e pontualmente no prazo de doze meses a água
das geleiras e o buraco na maldita camada de ozônio, e como envelhecem as moças
e prosas, e como morrem os deuses e os astronautas, que não caia sobre mim essa
maldição, e que eu não passe outro coágulo de tempo sem olhar no fundo dessas tuas esferas negras e dizer o quanto foi bom te amar de longe, porém que comparado a
te amar de perto é apenas estória, falsete, comentar também o quanto foi ruim, no
ano passado, celebrar o amor ao tempo, simplesmente festejar o jubileu de carvalho
ostentado pela guerra completamente desacompanhada, e escrever a porra de uma
tese inteira sobre não estar amando horrores ao seu lado.
Quem sabe ano que vem passa.
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