domingo, 30 de abril de 2017

MICRO ENSAIO À AVENTURA CEGA

Sozinha penso de maneira soturna todas as teorias que me foram adicionadas na idade pequena, e hoje eu as abdico para conhecer mais de mim e de minha nascença. Observo deitada a sólida solidão nefasta que tinge e que rege as leis de meu corpo rosa dourado e bege, da minha mente pensante.
Sinto cada vez mais a necessidade de pôr-me de pé, chutar o balde em que naveguei, por debaixo dos braços carregar meus diários inexistentes, relatórios frequentes do meu ser. Levar apenas aquela coragem, a inspiração que eu tirava dos olhos teus e que agora não cá estão.
Arqueio um sorriso de olhos fechados pensando nessa aventura que posso suscitar. De uma maneira simples e rápida, uma revolução em massa, internamente linda e pesada, estruturar.
Então partir-me-ei, em certeza, com medo e leveza, pro que ainda está por vir, pro que eu tenho a ganhar.
E ganharei, amores.
  • Todavia, partirás?
  • Em toda via estarei.
E em todavia irei ficar.

D’ANGELO




Peter Monamy - c.1720–30
Ships in Distress in a Storm 


A Man in Armour

probably 17th century, Imitator of Giorgione

sexta-feira, 21 de abril de 2017

OVELHA

-Filha, você é a ovelha negra da família.
-Eu sei.
-Não fará nada em relação a isso?
- Platinado e depois arco- íris.

D’ANGELO



Musa Moderna




quinta-feira, 20 de abril de 2017

MARVIN, A VIDA É PRA VIVER

-Ridícula!
A mulher era muito ridícula mesmo.
-Ingrata, maldita!
E a cada palavra era um objeto arremessado na parede do quarto da amada. Severina ali não estava presente, mas as lembranças eram mais marcantes,na maioria das vezes,  que a própria presença da garota.
-Desgraçada! Vadia!
Põs-se a chorar. Os cabelos cobriam-lhe a realidade póstuma do coração, escondiam as expressões de dor, criavam uma cúpula mágica que dava segurança e conforto, limites pra visão, para os sentimentos fulminantes que ali culminavam em sua trajetória sutil pela estrada quente do sangue nas veias. Arrastou-se na parede até o chão. Seu proposito de vida havia desmoronado. Tinha construído seus sonhos por ela, sua vida para ela, seu mundo em torno dela. Agora tudo que restava era a solidão de si para consigo mesma.
Com ira, olhou pela janela do apartamento. Aberta, soprava o vento da liberdade sobre o chão de madeira castanho-infinito. Suscitou a idéia de voar pela janela e ir morar no ar. Subitamente essa idéia tomou-a. Olhou novamente para a janela, e no vidro refletia Severina, como um chamado para o fim de todas as coisas que temos por eternas.
Marvin correu rapidamente na direção do reflexo, tudo parecia finalmente coerente em sua cabeça. Iria fazer o certo para sentir-se melhor. pra recomeçar.
-Paraaa!!!!
Na metade do caminho a moça atira o vaso de flores na janela que estilhaça e reluz em centenas de pedaços o que já foi inteiro. Vira o rosto e vê a genitora do reflexo, parada, sem reação, de braço estendido e boca semi cerrada.
-Na hora que sair, Severina, recolha os cacos e apague a luz.

D'ANGELO

A historic black and white photo of a woman wearing a cowboy hat and a riding


Alone

segunda-feira, 17 de abril de 2017

A SINGULAR HIPOCONDRIA

Nanda sofria de rinite, bronquite e asma. Tinha cabelos elegantes, que dançavam com a brisa, que repartiam-se em camadas de uma mesma cabeça. Cabeça essa que ela sabia usar, pensava como só. Resolvia cálculos e lógica de uma maneira inconcebível.
A menina tem o mundo ao seus pés. Ela só não sabia que colocaria tudo a perder por uma série de amores metidos a melancolia e abusivamente superficiais.
De perto, dava-se para notar: tinha também uma cicatriz enorme na perna esquerda por peripécias pueris com arame farpado.Foi também bi-campeã de xadrez na escola, teve lá suas conquistas fenomenais.
Hoje ela se deu bem, faz uma faculdade qualquer para seguir a vida.
Nanda é bonita...e decidida.
Aos 50, a menina teve letargia óssea e derrame cerebral. Mas ao ser questionada, diz: - Entre retardo e mais uma dessas ilusões, prefiro o problema mais superficial.

D'ANGELO

Marc Chagall - El violinista verde



Entre a guerra e a paz

sábado, 8 de abril de 2017

AS OBSCURAS MORTES DE JANIS JENNY

Eles sabem que estou aqui. Suscito a idéia de me jogar da janela, acabaria com todo esse maldito fenômeno que virou minha vida pra baixo nas últimas semanas. Não tenho pra onde ir e agora eles sobem pelas escadas. escuto vários passos pesados, não há o que fazer, tenho de me entregar. E pensar que era um plano perfeito. Um único erro fez com que tudo implodisse ao chão. A tortura era franca, de fato, mas prometemos não entregar uns aos outros. Não a culpo, também. Sabe se lá como arrancaram isso dela. Eles chegaram! Batem na porta compulsivamente, gritam em uma língua que eu desconheço, pela fresta da porta creme de madeira reflete a última linha fraca e tênue de luz esperançosa que promete extinguir-se ao primeiro sinal da sombra densa tomar aquele ambiente. O abajur diz com seus tons preguiçosos que deseja a inexistência, como eu, como parte do mundo que apenas queria fazer as coisas do jeito certo, porém resolveram arriscar em nome de sua fome, de seus filhos. E agora pra mim, ajoelhada, encaro a porta a ser estraçalhada do modo quadrúpede, a patadas e estocadas de madeira, chutes, coronhadas pesadas das armas que vão em breve perfurar e atravessar meu crânio frágil de humano inútil, espalhando esse líquido azul pelo chão, essa tinta de caneta, meu sangue que carrega minhas singularidades fúteis neste mundo infeliz e injusto. Eis que é chegada a hora. Meus demônios abrem a porta e partem ao meu encontro.
  • Ora ora, senhora. Finalmente nos encontramos pessoalmente.
  • Vocês são nojentos. Verei todos no inferno.
  • O inferno é lugar pra gente grande, moça. Você vai voltar pro ensino médio.
  • Bom humor vocês têm, mas apenas isso.
  • Quando eles descobrirem que dessa vez não foi por amor, talvez liberem te mais uma vez.
  • Pecado é pecado. Sabe que vou passar por tudo outra vez. Só queria verdadeiramente o esquecimento. É tão difícil descansar em paz em vez de simplesmente morrer outra vez?
  • Da próxima tente overdose.
          
                    (clek clek, shot)



Amor do próximo como a ele mesmo


sexta-feira, 7 de abril de 2017

AS MORTES BUROCRÁTICAS DE JANIS JENNY

-Quem é agora?
-Abra a porta e veja em vez de reclamar.
-Você sabe que eu sempre abro a porta.
-E?
-É sua vez.
-Sabe que eu não sei fazer essas coisas.
-Problema seu.
-Ok….vou olhar por debaixo da porta primeiro.
-Rápido…
-É aquela garota de capuz amarelo outra vez.
-A alta e abstrata?
-A própria.
-Aconteceu de novo?
-Tenho pena dessa garota.
-Avisamos pra ela que da próxima vez não daria pra ressuscitar.
-Teremos de dizer isso a ela.
( porta se abre )
-Olá…- disse a moça acanhada.
-Você pisou na bola de novo,J. Infelizmente dessa vez é o inferno direto.
-Mas o que tem de mais morrer de amores?
-É uma morte como qualquer outra.
-Qualquer outra?
-Tipo overdose.
-Me mande morta pra baixo então. Tenho coisas a acertar com aquela maldita.
-O que andam dizendo lá embaixo? Fantasmas, anjos, essas coisas não existem. Pensam -que o céu é mais que uma repartição pública?
-Me deixe voltar, por favor.
-São as regras. Pegue essa ficha e aguarde no segundo corredor a direita. Vai e não peques -mais.
-Se eu pecar?
-Reencarna automaticamente e como penalidade será desprovida de alma e saberás disso.
( porta se fecha )
( passos de salto 38 no chão do corredor celestial )
-Puta que pariu...essa é a fila pro inferno, moça?
-É sim.
-Deixa eu te perguntar, sem alma eu sinto prazer?
-A alma é a camisinha do amor.
-Jesus!
-Vai pro inferno porque?
-Amei de mais.
-Misericórdia...meus sentimentos.
-E você?
-Só Overdose.


D’ANGELO

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